sábado, 29 de maio de 2010

Sem Ti (r) - capítulo XV

A incredulidade com que o oiço, só me dá vontade de rir. Não sei se do nervosismo pela possibilidade de ser a verdade, se por o achar louco, a verdade é que solto uma estridente gargalhada.

- Você está louco, só pode. Acho que anda a ler livros do Kardec a mais. Eu fiz amor com essa mulher ontem! Está a ouvir? Eu e ela, fizemos amor! E você agora diz-me que ela está morta!

Sem me responder, levanta-se e começa a procurar entre os papéis desorganizados nas gavetas de secretária.

- O que está a fazer? Fale comigo!

- Espera um pouco.

Começo a ficar impaciente. Preciso de um cigarro. Vou até à janela da cozinha e devoro um, dois, três cigarros, enquanto olho ao longe o mar que se apresenta sempre tão suave quando o olhamos de longe. Sei que ele é minha testemunha do dia de ontem.

- António, chega aqui.

O louco chamava-me, o que seria desta vez. Sem saber muito bem porquê, regresso à pequena sala, onde ele me esperava com um papel na mão.

- Lê. Diz-me secamente, enquanto de braço esticado espera que pegue uma folha algo amarrotada.

Sinto as pernas fraquejarem ao ler a caligrafia que outrora fez de mim o homem mais feliz. Sempre admirei a sua jeito artístico de escrever até maior barbaridade. As letras que desenhava no papel era como se dançassem e falassem connosco ritmadas, embaladas ao som de flautas do paraíso. Só que o que antes me arrancava sorrisos, arrancava-me agora lágrimas sem misericórdia enquanto, encostado ao móvel recheado de contabilidades, tentava não desfalecer ao ler a carta que me deixara e em que me pedia perdão por se suicidar.

Li e reli vezes sem conta e dancei com a sua caligrafia a dança mórbida da partida. Embebedei-me com o seu pedido de perdão e não o aceitei. Revoltei-me contra aquele bocado de papel, e cabeceei com fúria a parede forrada a papel do pequeno apartamento deste taberneiro do século XXI.

- Mas… eu não soube disto? Como foi possível esconderem-me isto estes anos todos?

- Tu soubeste António. Foste ao funeral e a todas as missas. Confortaste os pais dela, a Ju, até a mim próprio. António, tu estiveste lá!

- Então como é possível não me lembrar? Como pude esquecer que o amor da minha vida se matou?

- Por tudo aquilo que aconteceu depois António. Não sou a pessoa mais indicada para te contar isto. Não sou teu familiar, não estive por perto, apenas sei o que um homem que tem um café em que toda a gente fala, sabe.

- Conte-me… não confio em mais ninguém, Conte-me…

- Então, pelo que sei, tu fizeste um daqueles tratamentos para esquecer, não sei como se chama. Sei que foi através da Ju, que trabalha no hospital.

- Mas eu não me esqueci da Inês, apenas não me lembro do seu suicídio. Como é que aconteceu? Como é que ela o fez?

- Não sei porque te lembras dela… até anteontem nunca me falaste nela.

- Como é que ela se matou senhor João??

- Tem calma homem. Ela atirou-se ao mar. Junto ao farol…

- Quem a encontrou?

- Ninguém. O corpo dela nunca foi encontrado. Foi por isso que precisaste do tratamento. Estavas louco, a dizer que ela estava viva, que a ias encontrar. Até dizias que falavas com ela e que ela te ia dizer onde estava!

- Preciso de falar com a Ju. Obrigado senhor João.

Saio para a rua com um sorriso nos lábios. Afinal de contas não estou louco, a Inês está viva!